quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Defensores relatam experiência como mesários nas eleições em centro de detenção provisória em SP

Os Defensores Públicos do Estado de São Paulo Vitore Maximiano, Davi Eduardo Depiné e Carlos Weis, atuaram, na eleição do último dia 3, como mesários voluntários da seção eleitoral instalada no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, na Capital.

Foi a primeira vez que parte dos presos provisórios votaram no Estado, a despeito de a Constituição Federal prever expressamente desde 1988 que a prisão provisória (ou seja, antes de julgamento) não gera a perda desse direito.

A seguir, o relato da experiência dos três Defensores:

Blog - O que o levou a atuar como voluntário nesta eleição?

Vitore Maximiano - As conquistas dos direitos sociais, políticos, econômicos e culturais no país sempre foram precedidas de muito embate e engajamento da sociedade. No caso dos direitos políticos do preso provisório, é lamentável que somente em 2010 tenha havido a regulamentação da matéria no âmbito do TSE. Trata-se de direito assegurado pela Constituição Federal, mas que não vinha sendo observado. Com a iniciativa, a Defensoria considerou importante participar ativamente desse processo. Tivemos o cuidado de distribuir cartilhas para que os presos se alistassem e atendemos ao pedido do TRE/SP para que indicássemos alguns voluntários para trabalhar como mesários. Juntamente com outros Defensores, estagiários e servidores, atendemos ao pedido.

Blog - Qual a sua avaliação sobre a experiência?

Vitore Maximiano - A avaliação é muito positiva. O preso tem sua liberdade tolhida, mas preserva diversos outros importantes direitos. Era visível a satisfação de muitos presos em exercer seu direito ao voto, sentindo-se cidadão, partícipe da vida do país. Como tivemos acesso ao resultado das urnas nessas seções eleitorais, também pudemos constatar que não houve número expressivo de votos em qualquer candidato suspeito de integrar facção criminosa, que era o que se temia. Espero que esse seja o início de um processo, ampliando-se nas próximas eleições o voto do preso provisório.

Blog - Alegava-se o temor da falta de segurança em algumas unidades para essa votação. Houve algum incidente?

Vitore Maximiano - Nenhum incidente foi registrado. A direção do estabelecimento prisional cuidou muito bem da organização e os presos vinham aos locais de votação em grupos, conduzidos pelos agentes penitenciários. Votavam, sem algemas, e retornavam às suas celas. Tudo muito tranquilo. Vale registrar que cinco pessoas, que já haviam alcançado a liberdade, retornaram ao presídio justamente para votar.

Blog - Como o voto do preso provisório pode contribuir para a melhoria das condições de vida nas prisões?

Carlos Weis - Considerando que a democracia representativa se faz pela eleição de candidatos que, hipoteticamente, representam grupos e interesses sociais, a ampliação do voto do preso provisório poderá fazer com que candidatos busquem oferecer projetos que seduzam essa fatia do eleitorado, ao tempo que, futuramente, façam propaganda de suas realizações para alavancar suas trajetórias futuras. Ao contrário do entendimento de setores sociais movidos pelo pânico, no sentido de que presos possam eleger “bandidos”, quem sabe as desumanas condições carcerárias atraiam alguma atenção e sirvam para eleger pessoas comprometidas com mudanças, reconhecendo ser remota essa possibilidade.

Blog - Como vê a crítica de que o preso, por ter infringido a lei, ou seja o direito alheio, deveria ter o direito de sufrágio suspenso?

Carlos Weis - O sistema de justiça criminal é reconhecidamente seletivo, havendo uma clara estigmatização de um certo grupo de violadores da lei, aqueles que são o foco do sistema de justiça criminal. Porém, há muitos outros que igualmente ferem a lei e raramente enfrentam uma condenação criminal, como no notório caso dos crimes de trânsito, que ceifam a vida de cerca de 40 mil pessoas/ano no Brasil. Tantos foram e são os crimes cometidos cotidianamente contra a população brasileira pelos “homens de bem” (haja vista a profusão dos escândalos) que me parece hipócrita pensar que o voto de pessoas que sequer estão condenadas possa significar algum risco à segurança pública. Como sói acontecer, grupos sociais minoritários e vulneráveis, no caso, as pessoas privadas de liberdade, são demonizadas, convertidas em bode expiatório, de modo a que as restantes pessoas possam fingir que tudo vai bem e que elas são imaculadas.

Por fim, deve-se lembrar que os presos, mais do que ninguém, estão submetidos ao poder do Estado. Logo devem ter o direito de influir na condução das políticas públicas, como forma de moderar tal poder e evitar, se possível, a violação de sua dignidade fundamental.

Blog - O que o levou a atuar como voluntário nesta eleição?

Davi Eduardo Depiné - A razão foi a possibilidade de que a efetivação de um direito que nunca foi suprimido, mas que nunca pôde ser exercido, possa acarretar uma maior atenção do Estado e da sociedade às pessoas encarceradas e às condições de aprisionamento, permitindo que o preso, em especial o provisório, seja visto e se enxergue como cidadão.

Blog - Qual a sua avaliação sobre a experiência?

Davi Eduardo Depiné - A experiência foi extremamente positiva. A maioria dos eleitores demonstrava perceber a importância daquele momento, do significado do voto e da possibilidade de participar de algo que, até então, talvez não lhes parecesse tão relevante. O único aspecto negativo a se ressaltar foi o pequeno número de eleitores, tendo em vista as dificuldades formais estabelecidas para que os presos pudessem se cadastrar e transferir seus títulos de eleitor.

Blog - Qual o risco apontado de que facções criminosas venham a exercer pressão para influir no voto dos presos?

Davi Eduardo Depiné - Entendo que o risco é mínimo e já poderia ocorrer, caso se admita a sua possibilidade, em relação aos familiares e aos presos que tenham readquirido a liberdade. Ressalto, contudo, que o receio dessa pressão não pode autorizar a supressão de um direito fundamental de todo indivíduo, cumprindo ao Estado demonstrar maior presença dentro do sistema prisional, a fim de que o papel desempenhado pelas facções criminosas, especialmente em relação à garantia da integridade física do preso e à assistência de sua família, passe a ser exclusivamente exercido pelo Poder Público.

Blog - Relate episódios que tenham sido marcantes.

Davi Eduardo Depiné - Na seção eleitoral em que atuava, duas pessoas que estavam presas quando do cadastramento e que haviam transferido seus títulos para o estabelecimento prisional retornaram para votar. Ambas demonstravam uma certa timidez, deixando a leve impressão de que não acreditavam que conseguiriam ingressar no presídio, onde até há pouco tempo estavam presas, e dali sair por vontade própria.

Outra situação curiosa foi a de um eleitor que, após registrar o último voto e confirmar, fazendo soar a conhecida campainha, levou as mãos à cabeça dizendo não acreditar que havia votado, por engano, em determinado(a) candidato(a) à Presidente, perguntando se poderia voltar atrás ou cancelar o seu voto.

Houve, ainda, alguns eleitores que pediram opinião aos mesários sobre em quem poderiam votar para Deputado Estadual ou Federal, o que, obviamente, não foi atendido, mas todos tinham suas “colas” ou já sabiam os candidatos que escolheriam para os cargos de Governador e Presidente.

(do blog do Frederico Vasconcelos)

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