terça-feira, 30 de novembro de 2010

Pobreza e política higienista

Em maio deste ano, noticiamos uma terrível chacina, no bairro Jaçanã, zona Norte de São Paulo: seis pessoas que dormiam sob um viaduto foram mortas a tiros. Infelizmente, os assassinatos e os atos violentos contra os moradores em situação de rua continuam, como podemos observar nos casos divulgados no estado de Alagoas. Mais ainda, o descaso com as investigações desses crimes também continua.

Segundo a Gazeta de Alagoas, “o número de assassinatos de moradores de rua em Alagoas é bem maior do que o divulgado. Um documento oficial e sigiloso da Secretaria de Defesa Social (SEDS) apontava para 29 mortes, só este ano, e não 22. Com mais um homicídio, ontem, a estatística sombria subiu para 30 casos, sendo 29 em Maceió e um em Arapiraca”. Pelos levantamentos feitos pela Polícia Civil, 52% das moradores de rua foram mortos por arma de fogo e 14% por arma branca.

Como é de costume, quando se trata de crimes contra pobres, as investigações são proteladas ou não se realizam. A Gazeta de Alagoas divulgou que dos 27 inquéritos (90% do total) sequer dispõem do laudo do Instituto Médico Legal (IML). Sem o resultado da necrópsia, nem a materialidade do crime poderia ser comprovada. O documento obtido pela Gazeta revela que em mais da metade das execuções (16 casos) a polícia não sabe nem a identidade das vítimas.

Com base nestas e noutras falhas, além dos números alarmantes, a Secretaria de Direitos Humanos, Segurança Comunitária e Cidadania de Maceió (Semdisc), com o apoio da Secretaria Especial de Direitos Humanos (DH) da Presidência da República, vai requerer que a Polícia Federal (PF) investigue as mortes de sem-tetos em Alagoas. O secretário da Semdisc, Pedro Montenegro, afirma que vai recorrer à Lei Federal 10.446, de maio de 2002, para requisitar a intervenção do Ministério da Justiça.

Esta lei estabelece que o ministério pode acionar a PF, num ato administrativo, em casos de "infrações penais relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais", principalmente "quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme".

O representante da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Ivair Augusto Alves dos Santos, alerta que o Brasil pode sofrer ser denunciado nos órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos.
Os números revelam o total descaso. Em 2010, dos 30 inquéritos por mortes violentas abertos até ontem, apenas cinco foram concluídos. Somente em dois deles houve a prisão dos acusados. São 28 mortes de sem-teto impunes. Também houve duas tentativas de homicídio, numa delas jogaram combustível e tocaram fogo na vítima.

Montenegro, secretário da Semdisc, afirma que decidiu requerer as investigações da PF porque compete à Semdisc zelar pelos direitos humanos e pela vida das pessoas. "Também decidi fazer o apelo ao Ministério da Justiça porque perdi as esperanças de que a Polícia Civil consiga uma resposta satisfatória sobre os autores do crime".


Um dos casos mais cruéis foi do flanelinha José Sérgio dos Santos, o “Cotó”, foi executado com 13 tiros de pistola 380, disparados por dois homens em uma moto, durante a madrugada, do dia 26.10.10. Após a morte de José Sérgio, o secretário da Defesa Social, Paulo Rubim, disse que a vítima praticava "pequenos furtos e tinha envolvimento com o tráfico de drogas".

Mais de uma vez, nos pronunciamentos das autoridades, falou-se que os moradores estariam ligados ao tráfico de drogas, como se eles tivessem assumido o risco de serem mortos e não tivessem direito à proteção. Essa questionável justificativa, se verdadeira, revela que a criminalização das drogas vitimiza os mais pobres, seja direta ou indiretamente.

De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, não há um levantamento oficial sobre o número de moradores de rua no país. "Estamos conversando com técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para quantificar esse contingente de cidadãos brasileiros marginalizados. A partir daí, queremos desenvolver ações públicas, em âmbito nacional, para sanar as necessidades nas áreas da saúde, assistência social, trabalho e também oferecer garantias de acesso à segurança e moradia", disse Santos.

(Do site do IBCCrim - Yasmin Oliveira Mercadante Pestana)

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