"Uma aplicação antecipada de pena virtual"
André Luiz Figueira Cardoso, advogado militante em Brasília-DF, colaborador voluntário e não remunerado da Defensoria Pública do Distrito Federal (CEAJUR), submete à avaliação dos leitores do Blog um caso que revela, na sua opinião, "a face sombria da Justiça Criminal no Brasil".
Trata-se de um cidadão, em cuja defesa atuou, que foi absolvido. Como a decisão absolutória ainda não transitou em julgado, ele não não consegue voltar à sua vida normal nem obter ocupação lícita. Cardoso enxerga no episódio uma autêntica "aplicação antecipada de pena virtual".
Para o advogado, o cidadão é "tratado de forma pior do que seria se de fato tivesse sido condenado e houvesse cumprido sua pena".
Cardoso enviou ao Blog carta que ele e sua colega, a advogada Ana Thaise Teles, remeteram ao Conselho Nacional de Justiça, correspondência que reproduzimos a seguir:
Prezado Dr. Fábio e demais servidores do Programa "Começar de Novo" do Conselho Nacional de Justiça - CNJ.
No dia 17 de novembro de 2009 o cidadão SEBASTIÃO RODRIGUES DA SILVA (titular da identidade no 1587345 SSP/DF e do CPF no 712.370.971-34), naquela ocasião respondendo a uma imputação de homicídio triplamente qualificado (artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV do Código Penal, autos nº. 2001.01.1.007852-3), foi levado ao Plenário do Tribunal do Júri a fim de submeter-se a julgamento. Após longo julgamento, de mais de 20 horas de duração, os jurados entenderam por bem ABSOLVER Sebastião de todas as imputações, CONDENANDO, porém, seus co-réus, como se vê na Sentença transcrita abaixo:
“Circunscrição : 1 – BRASILIA
Processo : 2001.01.1.007852-3
Vara : 11 - TRIBUNAL DO JURI
Processo : 2001.01.1.007852-3
Ação : ACAO PENAL
Autor : JUSTICA PUBLICA
Réu : ANTONIO WALTER BRAGA e outros
SENTENÇA
Vistos, etc.
ANTONIO WALTER BRAGA, ANTONIO ISAEL DO NASCIMENTO e SEBASTIÃO RODRIGUES DA SILVA, qualificados nos autos, foram pronunciados como incursos nas penas do art. 121, § 2º incisos I, III e IV do Código Penal, por ter efetuado golpes com uma lata de resina, bem como por outro instrumento perfurocortante na vítima JOSE PEREIRA DA COSTA, causando-lhe as lesões descritas no laudo de Exame Cadavérico de fls. 59/61, levando-o a óbito.
Consta que o crime foi praticado por motivo torpe, consistente em vingança, tendo em vista que a vítima colaborava com policiais, informando-lhes acerca de delitos cometidos na Estrutural. Consta também que o crime foi cometido com crueldade, em virtude dos acusados terem causado à vítima padecimento desnecessário para a consumação da morte. Consta finalmente que o delito foi praticado de forma a impossibilitar a defesa da vítima, a qual foi surpreendida de forma inesperada pela agressão.
Submetido a julgamento nesta data, perante o egrégio Tribunal Popular do Júri, o Ilustre Promotor de Justiça sustentou a acusação pedindo a condenação nos limites da pronúncia. As Defesas, por sua vez pediram absolvição por falta de provas da autoria.
Elaborados os quesitos, na forma do art. 483 do Código de Processo Penal, passou-se à votação na sala secreta.
O Conselho de Sentença respondendo aos quesitos, quanto ao réu ANTONIO WALTER BRAGA, respondeu positivamente quanto à materialidade e a autoria, respondeu negativamente ao quesito da absolvição e ao final acatou as qualificadoras do motivo torpe, da crueldade e a do recurso que dificultou a defesa da vítima.
Em relação ao acusado ANTONIO ISAEL DO NASCIMENTO, os senhores jurados responderem positivamente quanto à materialidade e a autoria, responderam negativamente ao quesito da absolvição e ao final acataram as qualificadoras do motivo torpe, da crueldade e a do recurso que dificultou a defesa da vítima.
No tocante ao réu SEBASTIÃO RODRIGUES DA SILVA, o Conselho de Sentença respondeu positivamente quanto à materialidade e negou a autoria.
Forte nessas razões julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO e CONDENO os réus ANTONIO WALTER BRAGA e ANTONIO ISAEL DO NASCIMENTO nas penas do art. 121, § 2º incisos I, III e IV do Código Penal e ABSOLVO o acusado SEBASTIÃO RODRIGUES DA SILVA das imputações que lhe forma feitas.
Atentando-me para as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 e 68 do Código Penal Brasileiro passo a dosar-lhe a pena, atentando-me para o fato de que a reprimenda deve ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
RÉU ANTONIO WALTER BRAGA:
(...)
Diante disso, fixo definitivamente a pena em 27 (vinte e sete) anos de reclusão. Fixo o regime inicial fechado nos termos do art. 33, § 2º, alínea "a" do Código Penal. Não concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, pois ainda persistem os requisitos da prisão cautelar, agora com muito mais razão diante da condenação. Condeno o réu no pagamento das custas processuais.
RÉU ANTONIO ISAEL DO NASCIMENTO:
(...)
Assim, fixo-a em 22 (vinte e dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a qual torno definitiva na ausência de atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou aumento de pena. Fixo o regime inicial fechado nos termos do art. 33, § 2º, alínea "a" do Código Penal. Não concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, pois ainda persistem os requisitos da prisão cautelar, agora com muito mais razão diante da condenação. Isento o réu no pagamento das custas processuais.
Oportunamente, extraia-se as cartas de sentença provisórias, atentando-se para as disposições da Resolução nº 19 do CNJ e do art. 36 do Provimento Geral da Corregedoria.
Ocorrendo o trânsito em julgado, comunique-se a Justiça Eleitoral (art. 72, § 2º, do Código Eleitoral - para os fins do artigo 15, inciso III, da CF/88), e lance-se o nome dos réus no Rol dos Culpados, bem como se façam as devidas anotações e comunicações, oficiando-se ao I.N.I e à Distribuição, expedindo-se, ainda, as Cartas de Sentenças.
Quanto ao réu Sebastião, transitada em julgado a sentença, arquive-se os autos com baixas e providências de estilo. Expeça-se o Alvará de Soltura para colocar o réu Sebastião em liberdade se por outro motivo não estiver preso. Dou esta sentença por publicada e intimados os presentes, nesta Sessão de Julgamento.
Registre-se. Cumpra-se.
Sala das Sessões Plenárias do Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de Brasília, aos 17 de novembro de 2009, às 01h00min.
FABIO FRANCISCO ESTEVES
Juiz Presidente”
O Sr. Sebastião foi solto dois dias após do julgamento, retornando ao convívio social. Hoje mora na Cidade Estrutural, com sua esposa e seus três filhos.
Contra a sentença absolutória, interpôs o Ministério Público do Distrito Federal recurso de Apelação que pende de julgamento na 1ª Turma Criminal do TJDFT.
Em virtude disto, a decisão absolutória ainda não transitou em julgado. O Sr. Sebastião desde a sua soltura tenta, sem sucesso, obter ocupação lícita, emprego formal, com carteira assinada. Ele é motorista profissional e tem habilitação específica para dirigir veículos automotores vários, desde caminhões até motocicletas.
Sempre que a chance de trabalhar formalmente como motorista se apresenta, é exigido do Sr. Sebastião a apresentação de Certidões, inclusive a “Certidão de Nada Consta” criminal, expedida pelo Cartório Ruy Barbosa.
Contudo, sempre que tal certidão é expedida, nela consta o referido processo, a que o Sr. Sebastião ainda responde, dado que não houve o trânsito em julgado da decisão absolutória.
Recentemente, ele esteve empregado por 30 dias na empresa MOURA TRANSPORTES LTDA., que, depois desta data, fez a exigência – legítima, admita-se – do Nada Consta que o Sr. Sebastião não pôde cumprir. Assim, foi resolvido o contrato temporário, restando o cidadão desempregado.
Consequentemente, o Sr. Sebastião não consegue mais que “bicos” e ocupações informais e esporádicas, obtendo a duras penas, para si e para sua família, o necessário para sua subsistência.
Situação que gera grande perplexidade, dado que este cidadão, que foi absolvido por decisão soberana do Tribunal do Júri – ainda que não transitada –, é tratado de forma pior do que seria se de fato tivesse sido condenado e houvesse cumprido sua pena.
Trata-se da aplicação antecipada de pena virtual que poderia ser cominada ao Sr. Sebastião, na hipótese algo remota de ser provido o recurso ministerial contra a sua absolvição e, ainda, na hipótese de que, submetido a novo julgamento, seja condenado.
Ainda que tais hipóteses sejam consideradas, tratar-se-ia de situação em que se nota uma flagrante violência ao princípio da presunção de não-culpabilidade. Exacerbada pelo fato de já haver decisão judicial declaratória da inocência do Sr. Sebastião.
Existem outras peculiaridades técnicas, às quais não se fará que breve menção aqui, dado que em anexo a este email seguem documentos que possam esclarecer a situação processual do Sr. Sebastião. É que, em nossa opinião, o Recurso Ministerial tem pouquíssima chance de prosperar, dado que interposto irregularmente. Mais a respeito, como se disse, pode ser visto na documentação em anexo.
Este é o relato do essencial, pelo que se pede a Vossas Senhorias a adoção das providências pertinentes.
Nestes termos, requer deferimento.
Brasília, 08 de julho de 2010.
André Luiz Figueira Cardoso
OAB/DF no 29.310
Ana Thaise S. S. Teles
OAB/DF no 31.833
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