quarta-feira, 7 de julho de 2010

Linguagem rebuscada dificulta acesso à Justiça

Texto retirado do Blog de Frederico Vasconcelos (http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br)

Leitura equivocada afasta pai e filho durante 13 anos

O relato a seguir foi feito por Gustavo Junqueira, Defensor Público do Estado de São Paulo (*). Trata-se de exemplo de como a linguagem rebuscada do sistema de Justiça pode criar embaraços e dificultar a vida das pessoas mais simples.

No post seguinte, Junqueira responde questões que o Blog enviou a magistrados, advogados, promotores e procuradores sobre projeto de lei que pretende exigir linguagem acessível nas sentenças judiciais.

Na última semana, atendi o senhor J., que foi apontado como “suposto pai” por uma indicação administrativa. Ao encontrá-lo, ele me confirmou que teve um relacionamento com a mãe da criança, algo casual. Depois de três anos, recebeu um telefonema dela e descobriu que tinham um filho com mais de dois anos.

A mãe queria apenas avisá-lo da paternidade, sem qualquer cobrança de valor de pensão. Ele imediatamente buscou orientação jurídica para assumir a paternidade, da qual jamais desconfiou, mas o informaram que, como pai, “teria que pagar os alimentos atrasados, sob pena de prisão”.

J., pobre, imaginou que já tinha cerca de três anos de dívidas acumuladas e, por medo de ser preso, afastou-se da criança (inclusive para não envergonhá-la, como me confidenciou).

Emocionado, ele me disse que por anos tentou juntar dinheiro para se aproximar do filho sem ser preso, mas quanto mais tempo passava, mais difícil parecia evitar a prisão. Ele viajou várias vezes até a cidade onde o filho morava e o observava de longe, em silêncio, para saciar seu instinto paternal.

É claro que seu temor não se justificava, pois não haveria obrigação de pensão alimentar antes do reconhecimento de vínculo. J. não compreendeu a informação que lhe foi dada e, por isso, ficou sem seu filho (e seu filho sem pai) durante treze anos.

A linguagem rebuscada do sistema de Justiça só atrapalhou sua família. Nesta última semana, ao representá-lo em uma audiência, J. reconheceu a paternidade do filho após entender que não seria preso por uma obrigação inexistente.

Às lágrimas, saiu correndo do fórum, compreendendo sua real situação e sem medo da Justiça, para encontrar o filho.

(*) Diretor da Escola da Defensoria Pública de SP (EDEPE). Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP, onde é professor de Direito Penal. Professor também da Pós-Graduação da Escola Paulista de Direito (EPD) e da Rede LFG de Ensino.

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